A Paralisação do Mercado Imobiliário Costeiro e o Papel do Provimento 49/2025: O que a Omissão da SPU Revela Sobre os Terrenos de Marinha no Brasil
- AnáliseGeo

- há 2 dias
- 4 min de leitura
Atualizado: há 11 horas
Por Paulo Figueira, dez/2025
Reflexões sobre a omissão da SPU, os efeitos paralisantes no registro de imóveis e o paradigma do Provimento 49/2025 do TJSC.

Os terrenos de marinha talvez sejam o tema mais polêmico e mal compreendido do ordenamento fundiário brasileiro. Mesmo previstos na Constituição como bens da União e regulados por normas específicas desde o século XIX, sua efetiva identificação depende de um passo essencial: a demarcação técnica da linha da preamar média de 1831 — procedimento que, na prática, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não concluiu em boa parte do território nacional.
Essa omissão, longe de ser um detalhe burocrático, desencadeou uma crise silenciosa que vem paralisando o mercado imobiliário litorâneo, travando financiamentos, impedindo registros e gerando insegurança para proprietários, cartórios e investidores.
O artigo original de Paulo Sérgio Sampaio Figueira (2025) fornece uma análise profunda desse problema — e aponta como Santa Catarina, por meio do Provimento nº 49/2025, adotou uma solução técnica e juridicamente equilibrada que deveria inspirar o Brasil inteiro.
Neste artigo, trazemos uma síntese ampliada e contextualizada para o leitor do Blog AnáliseGeo.
1. O que são, afinal, os terrenos de marinha?
De acordo com o Decreto-Lei nº 9.760/1946, são definidos como:
A faixa de 33 metros medidos a partir da linha da preamar média de 1831, em direção ao continente.
Em tese, deveriam estar:
✔️ demarcados
✔️ identificados em planta e memorial
✔️ homologados pela SPU
✔️ registrados em matrícula própria em nome da União
Mas não é isso que ocorre.
2. O problema central: a omissão da SPU
Apesar de ter a missão constitucional de demarcar esses terrenos, a SPU:
não concluiu a demarcação na maior parte da costa brasileira;
não manteve um cronograma eficiente de classificação;
não disponibilizou dados transparentes e atualizados;
frequentemente expede declarações genéricas, dizendo que a área está “possivelmente” em zona de marinha, mas sem ato demarcatório formal.
O resultado dessa indefinição é um verdadeiro efeito dominó:
Efeito 1 – Cartórios passam a exigir documentos que não existem
Diante da dúvida e temendo responsabilização futura, muitos cartórios passaram a exigir:
Certidão de Dominialidade
Certidão Autorizativa de Transferência (CAT)
Número de RIP
Mesmo quando não havia demarcação oficial da SPU.
Efeito 2 – Negócios paralisados
Sem esses documentos, transações ficam pendentes ou são recusadas. Consequência:
vendas travadas
financiamentos suspensos
loteamentos inviabilizados
usucapiões bloqueados
Efeito 3 – O cidadão paga pela omissão do Estado
A insegurança jurídica recai justamente sobre quem menos deveria ser penalizado.
3. A virada: o Provimento nº 49/2025 do TJSC
Santa Catarina rompeu com esse ciclo de inércia ao editar o Provimento nº 49/2025, um marco regulatório para a qualificação registral de imóveis situados em áreas de possível marinha.
O provimento determina:
Somente é considerado terreno de marinha aquele que:
já foi demarcado oficialmente pela SPU, e
já possui matrícula aberta em nome da União.
Sem esses dois elementos, o imóvel:
não pode ser tratado como terreno de marinha,
não exige CAT ou Certidão de Dominialidade,
não deve sofrer restrições indevidas no registro.
Inovações importantes do Provimento 49/2025
Fim das exigências automáticas: cartórios não podem exigir documentos da SPU sem base demarcatória.
Segurança das matrículas de particulares: elas permanecem válidas até a União agir.
Possibilidade de usucapião extrajudicial: mesmo em áreas com indícios, desde que não demarcadas.
Facilitação de parcelamentos e incorporações: sem travas baseadas em mera presunção.
4. Por que esse provimento é um paradigma nacional?
A norma catarinense respeita integralmente o direito da União, mas corrige uma distorção grave:
➡️ A União não pode se beneficiar da própria omissão.
Enquanto ela não concluir a demarcação:
o mercado deve funcionar,
o registro deve ser possível,
o cidadão não deve ser penalizado.
Além disso, o provimento oferece:
objetividade técnica
segurança jurídica
previsibilidade para incorporadoras e bancos
eficiência administrativa
5. O prazo fatal de 31 de dezembro de 2025
A Lei 9.636/1998 deu à SPU sucessivas prorrogações para concluir as demarcações. A última vence em:
🗓️ 31 de dezembro de 2025
Se esse prazo vencer sem conclusão:
novas classificações podem ser questionadas;
a insegurança tende a se agravar;
Estados precisarão agir para evitar colapso registral.
Daí a urgência de que outros Tribunais de Justiça sigam o modelo de Santa Catarina.
“A insegurança jurídica no litoral não nasce da lei, mas da omissão do Estado em aplicá-la.” — Paulo Sérgio Sampaio Figueira
6. Conclusão — O Brasil precisa seguir o caminho da racionalidade
O caso dos terrenos de marinha evidencia como a inércia estatal pode gerar insegurança, custos e prejuízos socioeconômicos. O Provimento 49/2025 (TJSC) surge como solução juridicamente elegante, tecnicamente responsável e socialmente equilibrada.
O que o Brasil precisa agora?
Corregedorias estaduais adotando normas similares.
SPU concluindo demarcações prioritárias com transparência.
Congresso debatendo reformas estruturais com base em evidências.
A experiência catarinense demonstra que é possível proteger o patrimônio da União sem travar o desenvolvimento das comunidades litorâneas e o mercado imobiliário.
------------------------
Sobre o autor — Paulo Sérgio Sampaio Figueira
Paulo Sérgio Sampaio Figueira é pesquisador e especialista em Direito Patrimonial da União, com atuação destacada nas áreas de regularização fundiária, terrenos de marinha e políticas públicas sobre patrimônio imobiliário federal. Autor de artigos e estudos técnicos amplamente citados, foi colaborador em iniciativas acadêmicas e institucionais voltadas ao aprimoramento do marco normativo dos bens da União, com ênfase na racionalização registral e na redução de conflitos dominiais.
Acesse a versão completa do artigo original:



Comentários